segunda-feira, 11 de março de 2013

Saudades do futuro

E eu era rico.
E eu era bem-sucedido.
E eu era amado.
E eu era esquerdista.
E eu tinha apartamento, carro zero, TV de LED, casa na praia e no campo.
E os cigarros não caíam do maço.
E eu passava as férias em Paris, em Dubai, no Djibouti.
E todos reverenciavam o meu PhD em Harvard.
E era fácil convencê-los de que as minhas piadas eram as mais engraçadas.
De que os meus comentários eram os mais inteligentes.
E eu tinha um emprego.
E eu tinha um milhão de amigos.
E a minha família era perfeita, tipo comercial de margarina, saca?
E eu tinha um cachorro.
E um peixe.
E uma dúzia de gatos.
E eu sabia jogar futebol, lutar caratê e abrir espacate.
E eu sabia cozinhar pratos tailandeses, limpar rejunte de azulejos com bicarbonato e dar nós em gravatas.
E o céu era sempre azul.
E a grama era sempre verde.
E a paixão era sempre lilás.
E as protuberâncias eram sempre inexistentes.
E eu tinha muita, muita, mas muita fé.
E eu sabia soletrar palavras difíceis, como empáfia, excrescência e benzaldeidocianidrina.
E eu falava onze línguas fluentemente, tocava seis instrumentos virtuosamente e fingia estar tudo bem sorridentemente.
E eu era feliz.

Sorte em pequenas doses ao longo do dia...


Às vezes me pego pensando, e tudo de que preciso é uma folha de caderno e lápis de cor.
Preciso, também, de uma nova sorte. A da vida já não me veste tão bem.
O Universo conspira contra minha improvável felicidade e, num instante, não me sustentam as estrelas no céu.
Cada sonho disperso, distante, num horizonte de tempos perdidos e pessoas ausentes.
Eis o pêndulo reverso de toda uma ilusão, o tic-tac ansioso, perverso, de reflexos que me proponho a compor.